Oscar: Representatividade de minorias na Academia*

INTRODUÇÃO

A indústria cinematográfica americana é a mais famosa do mundo, tendo como a sua capital a famosa Hollywood. Centenas de filmes são lançados por ano, com investimentos maiores que alguns PIB’s do nosso globo, com uma imensidão de atores, figurantes, produtores, diretores e os demais cargos que realizam as produções audiovisuais que acompanhamos ano após ano.

O grande show que marca o início e o fim de um ano de produções é o mundialmente conhecido Oscar, onde se encontram e se premiam as grandes estrelas das melhores produções do ano, segundo a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Após a Academia revelar os indicados dos anos de 2015 e 2016, uma grande campanha surgiu nas redes sociais: Oscar’s so White, na tradução livre: “Oscar tão branco”.

Essa campanha surgiu na rede social Twitter e conseguiu milhares de tweets e ganhou repercussão da mídia, de atores e demais apoiadores da causa, que desencadeou na reforma do corpo do júri da Academia, sendo mais representativa.

A inclusão das minorias no júri, nos indicados e nos vencedores é o tema deste artigo, que analisará o papel da mídia nessa questão que transcende o cinema. As referências teóricas e ilustrativas terão base nas teorias do Jornalismo e da Comunicação e em alguns portais noticiosos e de nicho, neste caso, o Cinema.

TEMA

A Academia do Oscar sempre tomou conta dos tabloides e dos portais de notícias pelo Mundo, durante as indicações e premiações do evento. Entre o ano de 2015 e 2017, essas notícias vieram com o questionamento de minorias que não estavam sendo representadas nas premiações mais expressivas.

Em 87 anos, foram 2.900 indicados ao Oscar e apenas 32 negros ganharam a estatueta dourada. Somente 14 atores e atrizes ganharam o reconhecimento por suas atuações. Entretanto, muitos conquistaram interpretando papéis estereotipados como escravos, pessoas abusivas ou submissas.

A falta de negros é um reflexo da exclusão dessa população dentro da instituição do Oscar. Um estudo do jornal Los Angeles Times mostrou que negros tem pouca parcela da representação na Academia, sendo apenas 2% dos membros. O estudo também mostra que os brancos são 94% e 77% são homens. Isso nos faz entender, a falta de mulheres nas categorias de direção.

Essa exclusão acontece em toda Academia. De acordo com um relatório da Universidade do Sul da Califórnia (USC), os negros são apenas 12,5% dos personagens em filmes (aqui cabe o discurso da atriz Viola Davis no Emmy Awards de 2015: “Você não consegue ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem.”), ou seja, a falta de espaço para que os negros atuem em Hollywood, faz com que consequentemente tenhamos um baixo numero indicações e premiações para os mesmos.

A partir dessas bases de pesquisa e das teorias de comunicação e do jornalismo, analisaremos notícias dos anos de 2015, 2016 e 2017, anos em que a Academia do Oscar entrou em uma grande reforma para que os negros começassem a ter representatividade dentro da premiação, após a criação do movimento nas redes sociais “Oscar’s so White” e de um possível boicote às premiações.

ANÁLISE TEÓRICA

1.0 – DAS TEORIAS

Após a delimitação do tempo das matérias que seriam analisadas, alguns pontos em comum aproximaram as seis matérias em duas teorias da comunicação: Pesquisa Norte Americana (Teoria da Comunicação) e Agenda Setting (Teoria do Jornalismo).

Dentro da Pesquisa Norte Americana, utilizaremos como ferramenta de interpretação duas vertentes. A primeira (na ordem cronológica) é o Estudo dos Efeitos da Comunicação, da década de 1920. Esse estudo foi encomendado pelas empresas de comunicação da época, para medir o efeito da comunicação nas pessoas. Dentro de suas ramificações, os Estudos dos efeitos limitados e suas abordagens psicológicas se adequam na decodificação dos sistemas de comunicação que veremos no conteúdo noticioso ou opinativo. Paul Lazarsfeld cita que a transmissão de uma informação e da sua influência na opinião pública pode acontecer dos meios aos líderes e dos líderes às demais pessoas.

A segunda parte da mesma pesquisa, mas em outra análise. A Corrente Funcionalista da década de 1940, também nos Estados Unidos, analisa as relações entre os indivíduos, a sociedade e os meios de comunicação de massa. Nela, os valores da sociedade se transportam até a mídia, para que haja uma harmonia social. Na teoria central escolhida para este artigo, Lazarsfeld e Robert Merton concluem o ponto central de qualquer mudança ideológica e social: os grandes sistemas de comunicação sempre reforçarão os ideais e imagens já estabelecidas, a execução das normas sociais.

A Agenda Setting é uma das três teorias do jornalismo historicamente estabelecidas. Nela, a mídia tem o papel de agendar os assuntos e fatos que a sociedade deverá considerar importante e tomar conhecimento. É um grande processo alienador que possui estratégias muito eficazes após o surgimento de grandes conglomerados de mídias. Onde se criou o hábito de que, se o veículo x não noticiar tal fato é porque ele é inverossímil ou não afetará a sociedade como um todo. Esta teoria é contemporânea a Pesquisa Norte Americana, logo, traçar os pontos semelhantes entre duas teorias que surgiram aproximadamente no mesmo contexto histórico, é um exercício de complemento e de entregar mais ferramentas de interpretação da sociedade a quem a pertence, sendo o papel fundamental de um artigo científico.

1.1 – PRÉ-REFORMA

Após a análise de matérias sobre o problema ocorrido no Oscar quando a Academia indicou apenas atores brancos e levando em consideração a teoria de Lazarsfeld e Robert Merton, notamos que a execução das normas sociais está fortemente ligada à repercussão da mídia ao caso.

Serão analisadas as matérias do g1 – por se tratar de um portal noticioso – e do Observatório do Cinema – por ser um portal especializado em cinema e que costuma fazer um jornalismo opinativo – anteriores à reforma dos padrões de votação da premiação.

A matéria publicada pelo G1 em 20 de janeiro de 2016 noticia a reação negativa dos atores hollywoodianos a não indicação de negros para os prêmios daquele ano, provavelmente relacionada à reação do público e de movimentos ativistas, ou seja, a pressão dos indivíduos causou a comoção de atores para assim, promover uma mudança no discurso da mídia, o que possibilitou a mudança na Academia e fez com que fosse revista a forma como estavam sendo as realizadas as votações e se o modo de escolher os votantes era realmente igualitário.

Já na matéria do Observatório do Cinema, veiculada em 25 de fevereiro, mostra a história dos negros na premiação e como desde os primórdios da academia, ela estava sujeita à pressão da sociedade e da mídia para decidir os vencedores de cada ano.

Em ambas as matérias pode-se notar a tentativa de adicionar a notícia de que não haviam negros indicados ao Oscar pelo segundo ano consecutivo à “agenda setting” do grande público. Assuntos como atores que ganharam o Oscar em premiações anteriores e os indicados daquele ano, antes restrito a especialistas ou entusiastas de cinema, passou a fazer parte do dia a dia e do conhecimento de um grande número de pessoas.

Com o assunto se tornando pauta e de conhecimento geral, houve-se discussões acerca de todas as implicações que ele teria para a sociedade, e propiciou que atitudes pudessem ser tomadas para que as premiações da academia se tornassem cada vez mais inclusivas.

1.2 – REFORMA

Após grande repercussão social e artística sobre a falta de diversidade nos indicados ao Oscar pelo segundo ano consecutivo, a mídia viu-se pressionada a divulgar o ocorrido com maior intensidade, usando os conceitos da Corrente Funcionalista e do Estudo dos Efeitos da Comunicação.

Nesta matéria do portal noticioso Terra, veiculada dia 24 de fevereiro de 2014, após o anúncio da reforma na Academia, a mídia exercita a execução das normas sociais, presentes na Corrente Funcionalista, em Lazarsfeld/Merton. O público, artistas e personalidades repudiaram a não representatividade de qualquer minoria, iniciando o processo citado por Paul Lazarsfeld, também teórico do Estudo dos efeitos da Comunicação na década de 1920, nos Estados Unidos. Lazarsfeld cita que esse processo de comunicação e propagação de um ideal pode ocorrer dos líderes de opinião ou no fluxo de dois níveis: dos meios aos líderes e dos líderes às demais pessoas. A campanha nas redes sociais #OscarSoWhite criou corpo e chegou aos artistas, que ganhou destaque da mídia e consequentemente à indústria:

“Atores negros famosos, como Will Smith, já declararam que vão boicotar a cerimônia de premiação do Oscar. Também renomados artistas brancos, como George Clooney, criticaram as práticas da Academia. Segundo o vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante de 2006, latinos e mulheres também seriam afetados por tais práticas de escolha.

Há dez anos, explicou Clooney, havia mais nomeações de negros, como para Don Cheadle e Morgan Freeman. “Caminhamos na direção errada”, afirmou Clooney à revista especializada Variety. “Temos que melhorar, já fomos melhores”, disse o galã.” (reprodução)

Como explicam Lazarsfeld e Merton, a execução das normas sociais se aplica em um novo contexto.  Ao longo dos últimos 50 anos a luta contra o racismo e a discriminação ganharam força em vários setores da sociedade e se justificaram frente a qualquer pensamento retrógrado. Nas últimas décadas, as políticas de inclusão de todas as minorias viraram pautas governamentais e ideológicas das pessoas, e cada vez mais sendo adotada pelas novas gerações, uma hereditariedade benéfica para a harmonia social, um dos fundamentos da Corrente Funcionalista.

Podemos também traçar paralelo com a teoria de Maxewll McCombs, a Agenda Setting. McCombs define que a mídia tem o poder de influenciar as pessoas e sobre o quê elas devem ler e serem informadas. O processo adotado pelo Terra, assim como os demais veículos que adotaram o conceito de repetição segundo a Pesquisa Norte Americana de Comunicação, foi o de Fluxo contínuo de informação, onde McCombs define que o processo de comunicação não é fechado; o público interagiu, repercutiu e abriu mais espaço para publicações semelhantes e aprofundadas sobre o tema, onde a mídia moldou o posicionamento das pessoas que não possuíam conhecimento sobre cinema e até mesmo quais atores negros já haviam ganhado o Oscar.

Se em primeiro momento, a mídia noticiou que não havia indicados negros nas categorias principais pelo segundo ano consecutivo, a teoria se aplica onde o emissor noticia e espera qual a repercussão será medida pelo povo. Muitas pessoas foram influenciadas pela causa, por serem simpatizantes das causas anti-racistas. A teoria diz que esse processo de influência por parte da comunicação é de médio a longo prazo, para poder observar o comportamento do público perante o tema.

Logo, ao perceber que o público se interessou com a causa desde a criação da campanha Oscar’s So White, a resposta do público nas redes sociais (onde todo a problematização surgiu) às publicações serviu de termômetro essencial. Essa matéria sobre a reforma na academia é uma espécie de respaldo nessa linha do tempo. Onde começou com o público, a mídia noticiou e influenciou, conseguiram a reforma e depois noticiaram novamente. Sempre com a interação do público e noticiando mais, para alimentar e formar a opinião de quem lê.

“Após duras acusações devido à nomeação exclusivamente de atores brancos para concorrer às estatuetas deste ano, Academia de Cinema pretende incluir mais mulheres e minorias em Hollywood.”

Analisaremos agora uma mídia que possui linha editorial definida, o portal Veja, derivado da revista que tem a maior venda no país. Nesta matéria, temos as aplicações das mesmas duas teorias citadas acima, porém de outro ponto de vista. A indústria se viu manchada, acusada de racismo, sexismo, entre outros adjetivos negativos. No enfoque da matéria da Veja, a mídia tenta dar o lado do corpo crítico, alegando a não preferência ligada a questões fora dos critérios básicos de julgamento dos filmes.

A publicação realiza as mesmas propostas da Pesquisa Norte Americana, porém para outro público. As normas sociais e os pensamentos de seu público refletiram na publicação, indo contrariamente a qualquer pauta progressista que fosse proposta e negando a existência do racismo, algo comumente reverberado pelos seus leitores.

Em um posicionamento inédito no cenário noticioso, trouxe o lado de quem foi acusado, trazendo para a agenda de seu público um ponto que seja mais confortável e adequado seguindo os padrões atuais da mídia citada.

“Ao site da revista americana The Hollywood Reporter, alguns votantes ativos do Oscar se explicaram sobre a situação e negaram racismo. Penelope Ann Miller (O Artista) afirmou que chegou a votar em artistas negros. “Fiquei muito chateada que eles acabaram não sendo indicados, mas supor que isso é porque todos os membros são racistas é extremamente ofensivo. Não quero ser colocada nessa categoria porque certamente eu não sou. Eu apoio e me beneficio do talento de pessoas negras no meio. Apenas foi um ano extremamente competitivo”, disse ela.” (reprodução)

Aproveitando que toda a mídia repercutia o racismo nas escolhas, a VEJA resolveu pautar-se de outra visão. Usando o conceito de Time-lag, a mídia publicou um mês antes da notícia do Terra a sua visão diante do ocorrido, para que a sua visão de mundo chegue aos leitores o mais rápido possível, na qual a opinião a médio-longo prazo já teria sido tomada, garantindo o sucesso do processo de comunicação.

O portal sai do conceito de consonância, sendo um dos poucos veículos que abordou o tema pelo lado não progressista, a VEJA consegue ainda mais influenciar as pessoas que enxergaram pelo mesmo lado da moeda. Portanto, ressalta-se o fluxo de criação noticiosa, onde pautar o que o leitor quer ler de acordo com a sua interação, acaba sendo a melhor forma de conduzir à formação de opinião.

“Outro membro, que não quis se identificar também comentou o caso com a revista americana. “Estou muito ofendido com a ideia de que algumas pessoas estão nos chamando de racistas. A cor dos artistas não passou pela minha cabeça enquanto eu registrava meus votos e, na verdade, eu nomeei uma pessoa negra para o prêmio. Essas declarações são extremamente irresponsáveis”, disse.”

1.3 – PÓS-REFORMA

Analisando a reforma realizada dentro da Academia do Oscar, ocorrida entre 2015 e 2017. Podemos encontrar diversas teorias de comunicação e muitas das escolas apresentadas no livro, “Teorias da comunicação-conceitos, escolas e tendências”, a partir disso, percebemos que a “Pesquisa norte-americana” e a “Agenda Setting” estão mais ligadas às matérias selecionadas para exemplificar a pós-reforma dentro do Oscar.

A primeira matéria vem do portal de notícias, “Nexo Jornal”, na qual trata do avanço das minorias na premiação, e tem como título, “Como a representatividade no Oscar avançou em 2017. E como ela ainda precisa melhorar”. Ela mostra os resultados da reforma e as melhorias que ainda precisam ser feitas para que o evento não segregue as minorias.

A pós-reforma usou a Pesquisa Norte-Americana, mais precisamente a Corrente Funcionalista, que busca o equilíbrio da sociedade e a harmonia social, com os conceitos e teorias de Lazarsfeld e Merton, que explica a execução das normas sociais e reforça os ideais e imagens já estabelecidas.

Ao analisar essa matéria a partir dos princípios da “Agenda Setting”, pode-se notar que após o uso da “agenda”, o tema tratado veio à tona e se tornou pauta em diversos ambientes e não apenas entre os críticos e os apaixonados por filmes.

Após a reforma, o uso da “agenda” se “modificou”, deixou de ser para trazer à tona as questões de representatividade ou da possível reforma e passou a ser sobre os efeitos da reforma, mostrando e trazendo para as pautas do dia-a-dia que as modificações dentro da Academia funcionaram.

A discussão sobre os negros no Oscar abriu precedentes para que outras minorias também buscassem notoriedade nas premiações.

A segunda matéria veiculada pelo “Estadão” mostra essa questão já em seu título, “Oscar 2017 reabre debate sobre representatividade de latinos em Hollywood”, também usando as mesmas teorias e conceitos usados na outra matéria, porém com o intuito de espalhar para a sociedade que os negros não são os únicos sem representatividade nos filmes.

Utilizando a “agenda” na segunda matéria, percebe-se que após a reforma trazendo o assunto da representatividade das minorias negras para a sociedade, outra minoria começa a pedir por representação no Oscar e a partir disso, começa outro ciclo da “agenda”, para que o novo tema venha se tornar os motivos de conversas nos grupos de amigos que gostam de filmes e suas premiações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa propôs através da apresentação de matérias sobre a polêmica envolvendo os Academy Awards e sobre a campanha feita por atores e pelo público chamada de “Oscar’s so White”, mostrar o quanto a opinião pública interfere em como e até mesmo quais assuntos serão relevantes jornalisticamente.

Pudemos notar ainda que a grande parte dos grandes portais se mostrou flexível às normas sociais e acabou, segundo as já citadas teorias de Lazarsfeld e Merton, executando-as, também pressionados por grupos ativistas e pelos atores que se pronunciaram pela causa.

Já em contrapartida, temos a Veja, que possui uma linha editorial mais definida e que mesmo tratando do assunto permaneceu com o discurso direcionado ao seu público, que possui tendência mais conservadora

Assim, podemos concluir que a mídia, no geral, espera abordar os assuntos mais comentados, mas sempre sem perder o público cativo, como mostrado nos casos de vertentes mais definidas politicamente.

REFERÊNCIAS E ANEXOS

ARAÚJO, C. A. “A pesquisa norte-americana”. IN: HOHLFESDT, A., MARTINO, L. C. e FRANÇA, V. V. Teorias da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001, p.

HOHLFESDT, A. “Hipóteses contemporâneas de pesquisa em comunicação”. IN: HOHLFESDT, A., MARTINO, L. C. e FRANÇA, V. V. Teorias da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 157-240.

*artigo por Alison Johnny, John Silva e Vitória Jesus

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